Novo bispo auxiliar de Curitiba, dom Zico, é apresentado em missa celebrada na Catedral Basílica de Curitiba
Foto: Joka Madruga/Fraterno72.net
Por Sandra Nassar
O apelido veio dos tempos de seminário e remete e a um dos maiores ídolos do futebol brasileiro. Paranaense de Braganey, 48 anos, graduado em teologia e filosofia, com mestrado e doutorado em Teologia Moral, dom Reginei José Modolo, o dom Zico, será apresentado neste domingo (26) como novo bispo auxiliar de Curitiba, em missa celebrada na Catedral Basílica Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Ordenado bispo em dezembro de 2022, Dom Zico atuará também como referencial para a Comunicação na Regional Sul 2 da CNBB. Ele falou com exclusividade, e sempre sorridente, ao Fraterno 72 sobre a nova missão, comunicação na Igreja, sinodalidade e os desafios de unir o Brasil. Confira a íntegra da entrevista:
F72: Dom Zico, como está sendo o desafio de sair da diocese de Cascavel para assumir a função de bispo auxiliar de Curitiba, com atribuições bem mais amplas e um rebanho maior para apascentar?
R: O desafio para nós é quando vem o convite: acolhe? Não acolhe? É claro que estamos sob promessa de obediência, feita no dia da ordenação, promessa que se estende até ao Papa, sucessor de Pedro. Inclusive fiquei sabendo recentemente pelo senhor núncio, Giambattista Diquattro, que quando um padre diz não a algum convite, é preciso solicitar ao Papa a dispensa do voto de obediência. Então aí entra a questão interna, porque nem sei se alguém adentra ao seminário pensando em ser bispo. Pensa em ser padre e, quando vem o convite para ser bispo, sabe que a vida vai mudar muito e vem toda uma preocupação, até com os egoísmos – puxa, vou deixar minha terra, minha família, meus amigos…farei 23 anos de padre em julho próximo e, em Cascavel, conheço muito bem a cidade e ela me conhece. Me sinto amado lá e amo muito também. Então é uma mudança muito grande. A primeira situação é vencer a si mesmo, vencer o apego ao que foi feito, o egoísmo, os ritos que foram estabelecidos. E depois vem a preocupação: será que darei conta da missão? Creio que esse questionamento esteve presente em todos os profetas, em todos os vocacionados, em grau maior ou menor, e esteve presente também na minha indagação acerca da possibilidade de responder à altura o chamado de ser bispo. O bispo, de forma direta, passa a fazer parte do sucessor dos apóstolos e a ter a responsabilidade de confirmar na fé, de pastorear, muito embora aqui eu tenho o privilégio de estar iniciando com dom Peruzzo (dom José Antonio Peruzzo, arcebispo metropolitano de Curitiba), quer dizer, privilégio em duplo sentido, porque a responsabilidade última é dele (risos). Digo um privilégio, porque o conheço de longa data, temos uma amizade constituída, somos do mesmo clero. Mas essa segunda situação, de conseguir responder à altura do chamado, é uma resposta a Deus e, se a Igreja te chama, ela entende que sim. Trata-se de uma atitude de confiança na Igreja, de confiança em Deus. Esse discernimento a própria Igreja já realizou. O processo de escolha de um bispo é moroso, é detalhado. Eu nem sabia, mas quando se é eleito bispo, é aconselhável escrever uma carta ao Papa. Então escrevi, agradecendo a confiança e dizendo que procurarei corresponder ao chamado com todo amor, dedicação e esforço. É o que eu posso garantir, é o que eu farei e foi o que disse ao Santo Padre.
Foto: Joka Madruga/Fraterno72.net
F72: O senhor será o bispo referencial para a comunicação na CNBB – Regional Sul 2. Qual a importância da comunicação dentro da Igreja?
R: A Igreja, apesar de algumas dificuldades nesses tempos modernos, sempre foi mestra em comunicação, desde os símbolos, os templos, a catequese. O comunicar sempre esteve muito presente na Igreja. O anunciar o Evangelho é comunicação. Foi a preocupação de Jesus – ide e evangelizai, ou seja, ide e comunicai o Evangelho. O comunicar é da essência do Cristianismo, é comunicar a boa notícia. A dificuldade é que a comunicação vem numa velocidade, com tecnologias tão grandes, que é complicado acompanhar todo esse processo. Assumi essa responsabilidade por um pedido dos demais bispos e fiquei até feliz, porque na Arquidiocese de Cascavel, quando diácono e nos primeiros anos de padre, coordenei em nível de diocese a Pastoral da Comunicação (Pascom). Criamos a revista diocesana, tivemos vários encontros, formando as Pascom nas paróquias. Na época era mais difícil criar uma Pascom nas paróquias, seja pela disponibilidade de profissionais ou pela falta de ferramentas que permitissem realizar um trabalho de comunicação. Hoje temos várias ferramentas, que podem ser utilizadas mesmo por uma pessoa que não seja formada em Comunicação. Veja, antes tínhamos como mídia o jornal, a rádio e a televisão. Hoje, as possibilidades são muito maiores e a pandemia levou a Igreja a perceber a necessidade de usar a comunicação. Acho até que a Igreja foi muita rápida em dar essa resposta aos fiéis, a partir de cada paróquia mesmo, nada muito sistematizado, muito planejado. Foram os fiéis com seus párocos que agiram. E praticamente todas as paróquias, pelo menos na Arquidiocese de Cascavel, começaram a transmitir as missas e disponibilizar atividades para que os fiéis, mesmo de casa, pudessem estar rezando.
F72: Nunca ficou tão evidente que os meios de comunicação são realmente meios evangelizadores, concorda, dom Zico? Daí a importância estratégica de todas as paróquias criarem suas Pascom, certo?
R: Sim, ficou claríssimo. E não tem volta esse processo. Não sabemos para onde vai, mas não tem como voltar atrás. E sobre a Pascom, é de suma importância que toda paróquia tenha sua Pastoral da Comunicação. Às vezes basta um canal, no qual a comunidade se identifique e possa buscar uma leitura, um vídeo ou um outro conteúdo específico. Eu vejo, por exemplo, paróquias que fazem um trabalho com o WhatsApp de contato direto com paroquianos, mandando diariamente a homilia do padre, os avisos, informações da catequese, um link para um artigo. Está aí uma ferramenta. Agora quero conversar com Dom Mário (dom Mário Sparki, que atuou como bispo referencial para a comunicação na CNBB Sul2 até a chegada de dom Zico) para tomar conhecimento do que vinha sendo feito e o que está programado para adiante. Pretendo também conversar com a Comissão de Comunicação da Arquidiocese e já tenho agendada participação na abertura das oficinas técnicas da Pascom Curitiba, no próximo dia 15. Aliás, essa formação técnica é fundamental. Precisamos levar esse conhecimento técnico e até mesmo a noção da beleza e da responsabilidade que é falar em nome da Igreja, em nome da paróquia. Olha que maravilha você poder anunciar a Palavra através de uma ferramenta que é reconhecida e identificada – a Igreja. Essa é uma forma de exercer um ministério, embora não possamos falar de um ministério da Pastoral da Comunicação, mas é um serviço que está sendo ofertado. Então existe toda essa beleza de trabalhar para Deus. E depois, a responsabilidade com os conteúdos divulgados. Não se trata de engessar, de amarrar, mas sim de ajudar, de orientar quem produz o conteúdo, oferecendo alguns textos, algumas reflexões bíblicas, até na questão das transmissões e produção de vídeos. Por isso a importância dessas formações que a Pascom Curitiba está promovendo.
Foto: Joka Madruga/Fraterno72.net
F72: Nossa Igreja vive o processo do Sínodo dos Bispos e o Papa Francisco fala muita da urgência dessa sinodalidade, desse caminhar juntos. Como senhor enxerga essa questão?
R: Nós temos a pluralidade como algo muito presente na vida da Igreja, basta ver os movimentos, as pastorais, as congregações. A Igreja Católica é maravilhosa. Se você tem uma inclinação de viver a espiritualidade dessa forma, você tem um espaço. Se você quiser viver num serviço mais direto, tem também um espaço numa pastoral ou outra. Mas, ao mesmo tempo, existe sempre a preocupação de estarmos direcionados para aquilo que é o Evangelho, para que a gente não se perca nessa diversidade, nessa pluralidade de trabalho e opções. Isso porque com a modernidade e todas essas ferramentas que vínhamos falando, abriu-se um espaço para a mera opinião: o “eu acho”. E esse “eu acho” ganhou quase a força do “é verdade”. Isso é um grande perigo, principalmente porque a Igreja Católica tem a sua doutrina, e isso não é uma questão de opinião ou achismo. Ela tem conteúdo, tem verdades, e isso não pode se perder ou nós nos distanciaremos do Evangelho, daquilo que Jesus pediu pra nós. E o Papa, com a missão primeira de garantir a unidade da Igreja, vem com essa preocupação. Então o Sínodo, além de colher todo esse pensamento, pede também uma visão outsider da Igreja, ou seja, como os outros nos veem, para sabermos se estamos conseguindo nos apresentar a eles e trabalhar com eles. Vejo que o Papa quer mais do que coletar informações e entender pensamentos: quer criar mentalidade, um método pastoral. Então a sinodalidade, sobretudo, é uma metodologia de fazer pastoral, de se perceber Igreja e ir se construindo como Igreja. O Papa Francisco não é aquele que vem com anátemas, com condenações. É aquele que anuncia as belezas que a Igreja, que o Evangelho têm. E isso é método de evangelização. Ele vem falar da misericórdia, vem falar da alegria, do amor, do encontro, da acolhida. Poderia dizer tenho comigo, como sucessor de Pedro, a verdade, o Espírito Santo, e vou mostrar tudo o que está errado. Não, ele vem e diz: olha como é bonito fazer desse jeito. São metodologias, e a sinodalidade é mais um método que o Papa nos traz, para que a Igreja possa ir contemplando toda essa pluralidade, vivendo sempre na unidade. E Jesus fazia isso com os discípulos, de modo particular com os apóstolos. Meu Deus, Mateus, um cobrador de impostos; Judas, provavelmente do grupo dos sicários, que odiavam os romanos, e Mateus cobrava impostos dos romanos. Olha a diversidade…mas, enquanto todos olhavam para o Cristo, a unidade estava garantida. Então, enquanto olharmos para Cristo, nos manteremos na unidade. Mas se ficarmos nos achismos e opiniões pessoais, cairemos no que o Papa Bento chamou de a ditadura das opiniões. Mas creio que a Igreja tem muito a contribuir com o mundo, como sempre o fez. E o Sínodo, retomando esse tema, já está trazendo bons resultados nesse sentido.
F72: Falando em ditadura de opiniões e em unidade, qual o papel da Igreja nesses tempos difíceis que ainda vivemos no Brasil, um país dividido, onde tantas pessoas se afastaram de familiares e amigos por divergências políticas?
R: Bem, isso não foi um privilégio, entre aspas, do nosso país. Aconteceu no mundo todo. Veja, a Europa está bastante dividida, temos líderes mundiais sofrendo ameaças contra a vida e essa situação de difícil compreensão entre a Rússia e a Ucrânia. Claro que no Brasil, pela nossa índole, nunca fomos de guardar mágoas por muito tempo, isso não é da nossa cultura. Mas agora, muitos se sentiram ofendidos e ofenderam tanto, da mesma forma, que acabou resultado em medo, insegurança, desequilíbrios e até em doenças entre a população. Tudo isso reforçado também pelo processo da pandemia, que levou a um certo isolamento e desencadeou processos novos. E sem dúvida, foi um processo favorecido, tristemente, pelas divisões que extrapolaram o nível da política para atingir o nível pessoal. Se tornaram questões pessoais. A divergência, em nível de opinião política, é salutar, e se não entendêssemos assim, não seríamos democráticos. Mesmo que a minha opinião não tenha sido valorizada o suficiente para se tornar predominante, cabe a mim o papel de continuar me instruindo na tentativa de mostrar as razões pelas quais tenho esta ou aquela leitura da realidade. O problema é quando você pessoaliza: com aquele fulano eu não falo, porque é de tal partido ou defende tal candidato. Mesmo familiarmente tivemos situações tristes. Mas creio que devemos aprender com Jesus. Em todos os contextos, Jesus soube dar respostas, até quando perguntado se era preciso ou não pagar impostos. A resposta é: coloquemos Deus, deixemos Ele iluminar e depois vamos construindo. Mas, quando colocamos primeiro a mim ou a minha opinião, eu ocupo o lugar que é de Deus. É a mesma coisa quando assumo a função de juiz. Se Deus virá pra julgar os vivos e mortos, como rezamos no Creio católico, se estou julgando, estou ocupando o lugar de Deus.
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