Quando um cristã vive em maneira evidente o Evangelho de Jesus suscitando a admiração e devoção do povo a Igreja inicia um processo para reconhecer e discernir os critérios que caracterizam a vida dele. Canonização é o termo usado pela Igreja católica para o processo em que se proclama uma pessoa como santa. Trata-se de um processo que inclui diversas fases, que vão desde a investigação da vida do candidato a santo até a constatação de milagres realizados por sua intercessão.
Basicamente, é preciso solicitar a abertura da causa, nomear um responsável para acompanhar o processo, investigar a fama de santidade do candidato, comprovar um milagre realizado após a morte do candidato a santo, beatificar o candidato, comprovar um segundo milagre, desta vez realizado após a beatificação, para enfim proclamar o candidato santo, que é a canonização propriamente dita.
A Igreja não “cria” um Santo, mas reconhece a santidade que Deus realizou nele e a propõe a modelo de vida crista para todos.
Em 15 de maio de 2022, o Papa Francisco canonizou 10 santos na Praça de São Pedro. Entre estes São Luigi Maria Palazzolo!
A Canonização foi um momento de grande alegria e emoção que despertou em toda a família Palazzoli um renovado entusiasmo e o desejo de viver cada vez mais e melhor o mandato carismático de “onde os outros não chegam”.
Em nossa revista Charitas, foram recolhidos os acontecimentos ligados à
canonização, como num diário de viagem, que contou com a grande participação de quem se deixou contagiar pela alegria e entusiasmo pelo reconhecimento da
santidade de Padre Luís.
Font: Revista Charitas - Special Canonização - Ano LXXIV - Nº 2
Praça São Pedro
Domingo, 15 de maio de 2022
Acabamos de ouvir algumas das palavras que Jesus confia aos seus discípulos, antes de passar deste mundo para o Pai, manifestando nelas o que significa ser cristão: «Assim como Eu vos amei, amai-vos também vós uns aos outros» (Jo 13, 34). Este é o testamento que Cristo nos deixou, o critério fundamental para discernir se somos verdadeiramente seus discípulos ou não: o mandamento do amor. Detenhamo-nos sobre os dois elementos essenciais deste mandamento: o amor de Jesus por nós – assim como Eu vos amei – e o amor que Ele nos pede para vivermos – amai-vos também vós uns aos outros.
O primeiro ponto: assim como Eu vos amei. E como nos amou Jesus? Até ao fim, até ao dom total de Si mesmo. Causa impressão vê-Lo pronunciar estas palavras numa noite tenebrosa, enquanto se respira no Cenáculo um ambiente denso de comoção e turbamento: comoção, porque o Mestre está prestes a despedir-Se dos seus discípulos; turbamento, porque anuncia que será precisamente um deles a traí-Lo. Podemos imaginar a tristeza que havia no íntimo de Jesus, a escuridão que se adensava no coração dos apóstolos, a amargura vivida ao ver que Judas, depois de receber o bocado de pão ensopado para ele pelo Mestre, saía da sala para adentrar-se na noite da traição. E é precisamente na hora da traição que Jesus confirma o amor pelos seus. Com efeito, nas trevas e tempestades da vida, o essencial é isto: Deus ama-nos.
Irmãos e irmãs, oxalá seja sempre central, na profissão da nossa fé e nas suas expressões, este anúncio: «Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou» (1 Jo 4, 10). Nunca nos esqueçamos disto! No centro, não está a nossa capacidade, os nossos méritos, mas o amor incondicional e gratuito de Deus, que não merecemos. No início do nosso ser cristão, não estão as doutrinas e as obras, mas a maravilha de descobrir que se é amado, antes de qualquer resposta nossa. Enquanto o mundo quer muitas vezes convencer-nos de que só temos valor se produzirmos resultados, o Evangelho lembra-nos a verdade da vida: somos amados. E está nisto o nosso valor: somos amados. Assim escreveu um mestre espiritual do nosso tempo: «Ainda antes que nos visse qualquer ser humano, fomos vistos pelos olhos amorosos de Deus. Ainda antes que alguém nos ouvisse chorar ou rir, fomos escutados pelo nosso Deus que é todo ouvidos para nós. Ainda antes que alguém neste mundo nos falasse, já nos falava a voz do amor eterno» (H. Nouwen, Sentir-se amado, Brescia 1997, 50). Ele amou-nos primeiro, esteve à nossa espera. Ama-nos e continua a amar-nos. E esta é a nossa identidade: amados por Deus. Esta é a nossa força: amados por Deus.
Esta verdade pede-nos uma conversão da ideia de santidade que frequentemente possuímos. Às vezes, insistindo muito sobre o nosso esforço para praticar boas obras, criamos um ideal de santidade demasiado fundado em nós mesmos, no heroísmo pessoal, na capacidade de renúncia, nos sacrifícios feitos para se conquistar um prémio. Às vezes temos uma visão demasiado pelagiana da vida, da santidade. Deste modo fizemos da santidade uma meta inacessível, separamo-la da vida de todos os dias, em vez de a procurar e abraçar na existência quotidiana, no pó da estrada, nas aflições da vida concreta e – como dizia Teresa de Ávila às suas irmãs – «entre as panelas da cozinha». Ser discípulo de Jesus e caminhar pela via da santidade é, antes de mais nada, deixar-se transfigurar pela força do amor de Deus. Não esqueçamos o primado de Deus sobre o próprio eu, do Espírito sobre a carne, da graça sobre as obras. Às vezes damos mais peso, mais importância ao próprio eu, à carne e às obras. Não está certo, mas há de ser a primazia de Deus sobre o eu, a primazia do Espírito sobre a carne, a primazia da graça sobre as obras.
O amor que recebemos do Senhor é a força que transforma a nossa vida: dilata-nos o coração e predispõe-nos a amar. Por isso – e passamos ao segundo ponto – Jesus diz «assim como Eu vos amei, amai-vos também vós uns aos outros. Este assim como não é apenas um convite a imitar o amor de Jesus; mas significa que só podemos amar porque Ele nos amou, porque dá aos nossos corações o seu próprio Espírito, o Espírito de santidade, amor que nos cura e transforma. Por isso podemos decidir-nos a praticar gestos de amor em toda a situação e com cada irmão e irmã que encontramos, porque somos amados e temos a força de amar. Assim como sou amado eu, posso amar. Sempre, o amor que partilho está unido ao de Jesus por mim: «assim como». Assim como Ele me amou, assim também eu posso amar. A vida cristã é assim simples, tão simples! Nós tornamo-la mais complicada, com tantas coisas, mas é simples assim.
E que significa, concretamente, viver este amor? Antes de nos deixar este mandamento, Jesus lavou os pés aos discípulos; depois de o ter pronunciado, entregou-Se no madeiro da cruz. Amar significa isto: servir e dar a vida. Servir, isto é, não colocar os próprios interesses em primeiro lugar; desintoxicar-se dos venenos da ganância e da preeminência; combater o câncer da indiferença e o caruncho da autorreferencialidade, partilhar os carismas e os dons que Deus nos concedeu. Perguntando-nos o que fazemos em concreto pelos outros. Isto é amar: viver as tarefas de cada dia em espírito de serviço, com amor e sem alarde, sem nada reivindicar.
Primeiro servir, depois dar a vida. Aqui não se trata só de oferecer aos outros qualquer coisa, alguns bens próprios, mas dar-se a si mesmo. Gosto de perguntar às pessoas que me pedem conselho: «Diz-me uma coisa: tu dás esmola?» – «Sim, padre, eu dou esmola aos pobres» – «E quando dás esmola, tocas a mão da pessoa, ou deitas a esmola e fazes assim [esfrego as mãos uma na outra] para te limpares?». E elas coram: «Não, eu não toco». «Quando dás a esmola, fixas nos olhos a pessoa que ajudas, ou olhas para o outro lado?» – «Eu não olho». Tocar e olhar, tocar e olhar a carne de Cristo que sofre nos nossos irmãos e irmãs. Isto é muito importante. Dar a vida é isto. A santidade não se faz de alguns gestos heroicos, mas de muito amor diário. «És uma consagrada ou um consagrado [hoje aqui há muitos]? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado [ou casada]? Sê santo [e santa], amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador[, uma mulher trabalhadora]? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos [e lutando pela justiça a favor dos teus companheiros, para que não fiquem sem trabalho, para que tenham sempre o salário justo]. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. [Diz-me:] estás investido em autoridade? [Aqui temos muitas pessoas que têm autoridade – pergunto-vos: estás investido em autoridade?] Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais» (cf. Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate, 14). Esta é a estrada da santidade: ver sempre Jesus nos outros.
Servir o Evangelho e os irmãos, oferecer a própria vida sem retribuição – fazê-lo em segredo: oferecer sem esperar retribuição –, sem buscar qualquer glória mundana, mas escondido humildemente como Jesus: a isto somos chamados também nós. Os nossos companheiros de viagem, hoje canonizados, viveram assim a santidade: abraçando com entusiasmo a sua vocação – uns de sacerdote, outras de consagrada, e outros ainda de leigo –, gastaram-se pelo Evangelho, descobriram uma alegria sem par e tornaram-se reflexos luminosos do Senhor na história. Um santo ou uma santa é isto: um reflexo luminoso do Senhor na história. Tentemos fazê-lo também nós: não está fechado o caminho da santidade, é universal, é uma chamada para todos nós, começa com o Batismo, não está fechado o caminho. Tentemos também nós, porque cada um de nós é chamado à santidade, a uma santidade única e irrepetível. A santidade é sempre original, como dizia o Beato Carlos Acutis: não há santidade de fotocópia, a santidade é original, é a minha, a tua, a de cada um de nós. É única e irrepetível. Sim, o Senhor tem um plano de amor para cada um, tem um sonho para a tua vida, para a minha vida, para a vida de cada um de nós. E que posso dizer-vos eu? Levai-o para diante com alegria. Obrigado.
Font: Vatican
Ó Deus Pai de “Ternura Infinita”,
que em São Luís Palazzolo quisestes manifestar
o vosso amor de predileção
para com os pequenos, os pobres e os últimos,
acolhei o nosso louvor e a nossa oração.
Ajudai-nos a viver com fidelidade
o Evangelho da caridade,
tornando visível, hoje,
o vosso amor misericordioso,
na solidariedade e no acolhimento ao próximo.
Escutai a súplica que vos apresentamos
nesta necessidade … (pedir a graça)
e concedei-nos a graça que vos pedimos,
pela intercessão de São Luís Palazzolo.
Amém.
“ONDE OUTROS NÃO CHEGA…
A CAMINHO DA SANTIDADE”
UM CORAÇÃO LARGO PARA AMAR UM CORAÇÃO GRANDE DE QUEM SABE DAR DE QUEM SABE DAR A VIDA
Se um grupo de adolescentes usam estes termos depois de assistir um espetáculo que conta uma história antiga de quase duzentos anos, então significa que foi um verdadeiro sucesso.
No dia 30 de abril, no Centro de Congressos Giovanni XXIII, em Bergamo, ganhou vida o show dedicado ao padre Luís Palazzolo, Fundador das Irmãs dos Pobres, proclamado Santo no dia 15 de maio pelo Papa Francisco.
Música, palavras, canções, especialmente passagens simbólicas e significativas, impressionaram o público despertando admiração, alegria e às vezes até lágrimas ocasionadas por uma boa reflexão interior.
Se todos estes sentimentos tocaram diretamente o coração de uma jovem de quinze anos, imaginem os sentimentos das Irmãs dos Pobres que escolheram Palazzolo como mestre de vida! Quem sabe o que o que elas sentiram quando o viram entrar, com o seu passo firme, mas humilde e silencioso no palco do teatro diante das pessoas com o seu tricorno, um característico chapéu, e manto preto!
Quem sabe as recordações daquelas jovens vestidas de branco, festivas e cheias de alegria, com um véu branco na cabeça, saltitando e recitando com as notas da música “Somos as Irmãs dos Pobres”!
Lindo, dinâmico, brilhante parecendo poesia, todos ficaram encantados.
Madre Teresa Gabrieli e Irmã Giuditta Broletti vasculham o sótão e nos velhos baús encontram o fio condutor de uma existência dedicada aos últimos, aqueles que ninguém quer, aqueles que “Eu tento fazer algo tão bem quanto posso”.
Duas freiras que acreditaram, que deixaram-se guiar e, acima de tudo, que tentaram ao longo do tempo viver um carisma não feito de “palavras vãs… mas de ações, de pão, fogo, vinho e ajudas oportunas…”
E então, de repente, no palco iluminado, aquela passagem de testemunho de arrepiar, ontem e hoje, Madre Teresa e Irmã Carla, se abraçando e uma dá lugar a outra, que começa a tecer, a costurar um vestido novo com palavras, mas em molde já conhecido.
“É preciso um grande coração para fazer o bem, um grande coração, um coração imenso…” um refrão que se aprende na hora em se escuta, que até as crianças cantarolam enquanto brincam, porque é simples, como a vida de um padre de Bergamo que teve a coragem de deixar uma vida confortável, abastada, para dedicar-se aos pobres buscando em seus rostos o semblante do contemplado Cristo, despido na cruz.
No dia 30 de abril, foi realizado o show dirigido pela habilidade do jovem Mario Binetti, que foi capaz de coletar e elaborar um importante legado e devolvê-lo ao público por meio de uma equipe de profissionais com uma vasta experiência.
A mensagem veio alta e clara despertando muitas risadas provocadas pela ironia do genuíno Gioppino, um fantoche, o original que Palazzolo usou para divertir os meninos e conversar com eles sobre a vida cristã. Gioppino e seu amigo Arlecchino ganharam vida com a voz e as mãos habilidosas de um avô e um neto.
Também aqui a transmissão de uma arte torna-se um passo significativo e revela a mensagem principal: a partir de um chamado, fazer uma escolha de vida e, em seguida, ter a coragem de passar o bastão com o testemunho a quem vier depois, confiante que este colherá o molde e a aspiração.
Seremos também nós, plateia de um show, mas de alguma forma filhos do Palazzolo, para guardar um tesouro tão precioso e colocá-lo em prática no cotidiano da nossa vida continuando a “buscar e recolher o que os outros rejeitam e fazer algo como pudermos”?
Se uma semente germinou no coração de um grupo de adolescentes de 15 anos… há esperança de que algo possa brotar para todos!
Padre Luís, um sacerdote entre os últimos – o documentário preparado pela ocasião da canonização
– reúne a figura de Palazzolo dentro de um contexto histórico bem delineado e numa dimensão agradável de intensa simpatia e frescor. E, quase sem perceber, faz você se sentir próximo, contemporâneo, despertando curiosidade, interesse e participação.
Profundidade e leveza são as coordenadas para uma vida bela, uma vida que transmite o Evangelho; assim aparece a experiência humana e espiritual de padre Luís Palazzolo, um santo do século 800, mas cuja mensagem pode ser facilmente compreendida e apreciada atualmente e em vários contextos.
Sim, porque quando a vida fala, o que se conta fica vivo, não se sujeita ao desgaste ao longo do tempo e com a mudança de contextos culturais.
A apresentação assertiva e clara do contexto histórico no documentário é muito eficaz, misturado com a alternância das vozes das irmãs que contam a história do seu Fundador e a própria história.
Parece presenciar o fluxo de um riacho, que no seu percurso destaca ora uma paisagem repleta de vegetação, ora uma cachoeira que gera frescor e deslumbramento, agora um vale portador de serenidade e frutos saborosos.
Tudo isso ambientado pela perfeita linguagem dos fantoches; fatos simples da vida cotidiana e a forte experiência da morte são relidos e apresentados com a leveza que envolve e faz sorrir, sem tirar a profundidade do testemunho de São Luís Maria Palazzolo!
Assim, o documentário retrata, cena após cena, a vida do nosso amado Fundador, feito de escolhas corajosas e gestos diários de amor, migalhas substanciais para a fome dos “não alcançados pelos outros”, da vida dos “amados” do Amável Infinito, um só Deus que “ama, aliás acaricia, os seus pobres”.