Das margens do rio Oglio
Celestina Ossoli de Orzivecchi (Brescia) tinha 17 anos quando manifestou ao pai Ludovico o sonho de consagrar-se a Deus e ao serviço dos pobres. A mãe, Elvira, já sabia, mas tinha mantido para si a confidência da filha. O pai, ao invés, não sabia de nada e tinha em mente outro projeto para ela. Depois da escola fundamental em Orzivecchi, a cidade onde tinha nascido, no dia 25 de agosto de 1936, Celestina tinha aprendido corte, costura e bordado no oratório feminino com as Irmãs dos Pobres. Era uma adolescente bonita e radiante. Tinha um bom caráter cordial, alegre, pronta para a piada. Amava se divertir com jogos simples, inventados pela fantasia que a pobreza dos tempos trazia. Aos 14 anos começou a aprender tricô. Conseguia bem. Era também disponível em ajudar a mãe nas vendas no minimercado de hortifruti e de outros gêneros de consumo, e quando necessário, também ajudava o pai na horta. Ludovico, vendedor ambulante de frutas e verduras, todos os dias ia aos mercados das cidades vizinhas: um trabalho difícil, com pouco lucro, mas suficiente para manter a família e sonhar um futuro menos fadigoso que o seu para os filhos.
Foi assim que um dia, limpando a horta enquanto estava trabalhando lado a lado com Celestina, pensou que fosse o momento de fazer-lhe a surpresa que há tempo, tinha no coração: Celestina – disse – sei que aprendeu bem fazer tricô, corte e costura. Agora compro uma máquina para você costurar… Celestina sem duvidar respondeu: Não pai. Obrigada. Não compre nenhuma máquina para mim. Eu vou me tornar irmã. Ao terminar a resposta, desencadeou um temporal no ânimo de Ludovico. Instintivamente deu-lhe um tapa. O pai precisou de um pouco de tempo para superar o susto, se recompor emocionalmente, mas depois aceitou com o coração a escolha da filha.. O segredo da sua escolha o revelará mais tarde com o passar dos anos: É Jesus que deve estar no centro da nossa vida e do nosso apostolado.
No dia 05 de outubro de 1953 deixa a sua casa e a cidade. Em Bergamo com as Irmãs dos Pobres, vive o tempo de discernimento vocacional e da decisão. Assume um novo nome como religiosa: irmã Annelvira, um nome que recorda aquele da mãe. Aos 20 anos com os primeiros votos pronuncia oficialmente o seu sim. De Bérgamo para Roma: dois anos de estudos, está pronta com o diploma de enfermeira profissional e com habilitação para dirigir a equipe de enfermagem. Então, da teoria à prática, trabalha com os idosos doentes, abandonados e dependentes em Milão. Irmã Annelvira tem facilidade para relacionar-se: o seu rosto sereno e acolhedor inspira confiança e esperança.
Em 1961, se abre uma nova estrada: a missão no Congo, um país imenso, marcado por uma grave crise depois do assassinato de Lumumba, homem que tinha lutado e conquistado a independência do país da Bélgica. Parte o dia 1º de novembro 1961 para Kikwit, capital da região de Bandundu, destinada ao hospital civil em condições econômicas e higiênico-sanitárias precárias. Irmã Annelvira parte com o entusiasmo dos seus 25 anos. Coloca-se no trabalho sem reservas de energia. Tem olhos e coração para todos. Sempre disponível, com sorriso nos lábios. Não se importa com a fadiga e dificuldades, dia e noite. O clima, o ritmo de trabalho, a disponibilidade em enxugar cada lágrima, fragilizam o seu físico. Uma tuberculose pulmonar a obriga a tratar-se. Metódica e decidida como é, se recupera ligeiro. Mas ao sair da clínica Ngaliema de Kinshasa, antes de aceitar o tratamento definitivo para a recuperação, faz um pedido: que os medicamentos ministrados à ela desde o início, sejam regularmente enviados também ao hospital de Kikwit para a cura e tratamento dos tuberculosos, assim teriam menos mortos frequentes por falta de medicamentos! Pedido corajoso e decidido, que foi atendido!
Após seis anos de África, retorna à Itália. Frequenta em Roma a Escola de Obstetrícia anexa à Universidade de Estudos. Retorna para o Congo: destinação Kingasani, um dos lugares mais pobres e populosos da periferia de Kinshasa, a trinta quilômetros do centro da cidade. As condições higiênico-sanitárias são impensáveis. Irmã Annelvira se ocupa da maternidade. Serviço em tempo integral. Em média ajuda no parto de trinta, quarenta crianças diariamente. Ela trabalha serena. Não cede à tentação da rotina: cada vez que acolhe um novo nascimento, vive o estupor pelo milagre de uma nova vida. Em Kingasani fica oito anos; é para o povo “a mulher que acolhe a vida”!
Em 1977 assume a responsabilidade da comunidade religiosa de Kikwit, o lugar da sua primeira missão. Irmã Annelvira é incansável, mas não é tão forte em saúde. Começa a sentir fortes e persistentes dores nos joelhos, que a obrigam a fazer tratamento. As melhoras esperadas, não chegam, aliás, as suas condições físicas pioram. Não consegue mais ficar em pé e retorna para Bergamo na cadeira de rodas. Os médicos ao verem as radiografias são pessimistas. O prognóstico é de enfermidade crônica. Também a cirurgia é de risco. Irmã Annelvira não perde o ânimo. Jesus, não te peço nada, Tu sabes o que é melhor para mim, escreve em suas anotações do dia 1º de janeiro de 1980. Não obstante a perplexidade decide submeter-se à cirurgia e graças a Deus transcorre bem. Depois da reabilitação, retorna a Kikwit para o seu povo… para servir os pobres e semear entre eles a esperança e o otimismo.
O ano de 1992 marca uma surpresa na sua vida. É eleita Madre Provincial das Irmãs dos Pobres presentes na África: uma responsabilidade delicada e nada fácil.
Aos 56 anos o seu ritmo de vida precisa mudar: viagens exaustivas com imprevistos e dificuldades, saídas frequentes para visitar as comunidades no Congo, Costa do Marfim e Malawi.
Não obstante a saúde frágil e “as juntas que rangem”, irmã Annelvira não se poupa. Revela também nesta nova missão a sua essência humana rica em sensibilidade, capaz de escuta, atenta e delicada para as irmãs, cuidadosa em ajudá-las a superarem as concretas dificuldades de cada dia.
Na primavera de 1995, irmã Annelvira vive o seu Horto das Oliveiras. Informada das condições graves da irmã Floralba, enfrenta a viagem de 500 km com Jeep para lhe estar próxima. A sua presença não é de aparência. Assume os cuidados. Sabe pela sua grande competência na enfermagem, o perigo do contágio, mas provê com coração materno prestando-se também aos serviços mais delicados e de riscos. Depois da morte de irmã Floralba acompanha com o mesmo afeto as outras irmãs contagiadas pelo Ebola.
Em 11 de maio de 1995, poucos dias antes de sentir os sintomas do Ebola, escreve para a Madre Geral:
Caríssima Madre Geral, com Maria aos pés da cruz, queremos reavivar a nossa fé e repetir o nosso Fiat (sim): Certamente Ele sabe tudo e está conosco também nesta duríssima provação.
No dia 14 de maio, depois da morte de irmã Dinarosa, irmã Annelvira diz abertamente com desconcertante simplicidade: Penso tenha chegado a minha vez.
Irmã Annelvira, que jamais tinha deixado suas irmãs sozinhas, que lhes havia assistido dia e noite, é chamada a provação angustiante do isolamento, da solidão. Ninguém perto dela, exceto os dois médicos enviados do Centro Especializado de Atlanta. No pequeno quarto isolado em frente à casa da comunidade, irmã Annelvira, vive como cordeiro manso o dom total de si.
Somente Deus conhece o que acontece no quarto de isolamento de Kikwit. além daquela porta.
Aquela porta reabre poucos dias depois, no dia 23 de maio: o corpo desamparado de irmã Annelvira, composto em um simples caixão, não podia ser sepultado devido a um fortíssimo temporal, é transportado e deposto à entrada da casa das Irmãs dos Pobres.
Não tem ninguém para acolher e velar aquele corpo; espiritualmente no abraço de todas as irmãs dos Pobres; por disposição dos médicos, todas as irmãs dos Pobres estavam em isolamento em outra sede.
Na casa vazia, naquela noite, somente o caixão da irmã Annelvira, o testemunho de um amor tenaz, até o extremo das forças e da vida.
É o dia sucessivo à festa do Fundador. No fax do dia 23 de maio às 17h10min se lê: Irmã Annelvira a pouco entrou na paz do Senhor. “Fiat” (sim): no silêncio adorador, o olhar fixo a Jesus despido na cruz, digamos: “sim, Pai”.